Ros Mari Zenha

A distonia em minha vida

Meu nome é Ros Mari, tenho 46 anos e acho que sou portadora de distonia desde os 24 anos de idade. Digo "acho", porque até cerca de 3 anos atrás, não havia constatado, com precisão, o problema. Nessa época, comecei a apresentar sintomas de tração na coluna cervical -meu pescoço "puxava para trás" e, no começo, oscilava; era como se eu tivesse "um tremor no pescoço".

Fiquei muito assustada, pois o problema aparecera repentinamente e, hoje, tenho claro que em um momento de tensão emocional, pois, à época, uma pessoa próxima da família estava passando por uma cirurgia e eu me encontrava sobrecarregada com problemas no trabalho. Minha área de atuação é a de pesquisa tecnológica em construção civil e meu local de trabalho um centro de pesquisa em São Paulo. Consultei um especialista em coluna vertebral que, após avaliação clínica e exames específicos, encaminhou-me a um neurologista. Não passei, felizmente, nessa época, por uma série de médicos, pois tive o privilégio de contar com especialistas competentes logo que o problema surgiu. O neurologista constatou que eu era portadora de distonia focal, uma síndrome sobre a qual não se conhece a causa e que não tem cura definitiva. Fiquei muito abalada, pois sempre tive uma vida ativa e aquele sintoma atrapalhava em muito meu desempenho, pois, como qualquer portador de distonia deve saber, aquela parte do corpo fica constantemente presente 24 horas por dia, o que é muito desgastaste e frustrante. Meu caso não é dos mais problemáticos, mas nem por isso sinto-me mais feliz. Ao saber do diagnóstico, comecei a consultar bibliografia especializada sobre o tema e associei-me à Associação Brasileira dos

Portadores de Distonias, auxiliando sua direção naquilo que me é possível, visando orientar os portadores, para que tenham consciência de que não são os únicos a padecer desse mal e que precisam, enquanto coletivo, lutar pela melhoria de nossas condições e auxiliar a pesquisa médica nas investigações relativas ao assunto. Com o tempo e com um nível maior de informações, dei-me conta que, no passado, aos 24 anos, havia tido um sintoma similar ao de três anos atrás, porém, no braço. Meu filho havia acabado de nascer, tive uma infecção pós-parto e, acho até, que depressão pós-parto (naquela época, não se falava muito sobre o assunto). Um belo dia, pela manhã, traduzindo um texto para uma revista, meu braço direito não conseguia mais fazer os movimentos para a escrita. Ninguém conseguiu identificar o que havia acontecido e olha que eu percorri vários especialistas. Atribuo o fato ao desconhecimento que se tinha sobre o que era distonia. Como me encontrava "em um beco sem saída", resolvi substituir o braço pela máquina
de escrever - afinal para isso contamos com a tecnologia. Continuei desenvolvendo meu trabalho, datilografando e isso nunca impediu que eu avançasse em minhas atividades profissionais. No mais, solicitava o apoio de familiares e amigos quando tinha que preencher um cheque - assinava antes e pedia que o restante alguém preenchesse, ou providenciar qualquer outro tipo de documento ou até para fazer provas (justificava, por escrito, qual era meu problema e fazia a prova por meio da máquina de escrever). Nunca tive vergonha de fazê-lo.

Após 8 anos, em outra manhã, voltei a escrever novamente e o faço até hoje, com períodos de maior ou menor facilidade. Com o advento da informática, a câimbra do escrivão" — nome pelo qual esse tipo de distonia é conhecido — deixou de ser uma limitaste para todos nós. O mesmo não acontece com a distonia cervical, que a meu ver, é mais desgastaste. Trato-a com aplicações de toxina botulínica, de 5 a 6 meses de intervalo, no Hospital das Clínicas. Infelizmente, não é uma terapia que deixe meus movimentos da coluna cervical normais, como eram antes e, na medida em que o efeito passa, a tração retorna e meu "astral" despenca. Confesso que vez por outra me dou o direito de chorar, com saudades do tempo em que nem lembrava que meu pescoço existia. Menos mal que conto com familiares e amigos super compreensivos que entendem meu estado de espírito, até porque, quando estou bem, minha fisionomia se altera, "meus olhos voltam a brilhar", como diz minha querida professora de ginástica holística, atividade de alongamento e tonificarão muscular que pratico uma vez por semana, além de uma sessão de massagem. Fiz, também, acupuntura, ciência que vem sendo cada dia mais respeitada no Ocidente, porém, creio que no meu caso os resultados não foram muito promissores, ainda que, como investigadora, tenha o maior respeito pela medicina chinesa. De qualquer forma, todo e qualquer exercício, principalmente quando feito em pé, implica em um grande esforço para manter o pescoço parado, alinhado com o restante do corpo. Mesmo com sacrifício, não deixo de fazer os exercícios, pois preciso preservar o restante do corpo minimamente em ordem, para não ter que administrar outros problemas em paralelo ao da distonia. Todos sabem como a musculatura das costas fica "cansada" quando o pescoço arqueia o tempo todo para trás, sem falar na das pernas e na dificuldade de fazer caminhadas, tão necessárias e tão difíceis , principalmente se estamos sozinhos. Confesso que não tem sido fácil conviver com a distonia. Tenho consciência da sorte de viver em um tempo em que os avanços científicos possibilitaram a descoberta dos efeitos da toxina botulínica, da sorte de ter um quadro de distonia leve, mas, mesmo assim, não sou uma pessoa conformada — faz parte da minha personalidade. Porém, mesmo frustrada, vou à luta! Mantenho-me informada sobre tudo o que pode vir a minorar meu problema e dedico-me a transferir tais informações, através de nossa Associação, a outros portadores mais ou menos conformados do que eu. Creio que precisamos divulgar, com o apoio da classe dos médicos, os sintomas da distonia — que muitos pensam ser "tique nervoso" — para que o problema seja diagnosticado com precisão, evitando, assim, a ida do portador a inúmeros profissionais, uma verdadeira "via crucis",principalmente para quem dispõe de poucos recursos e que é a maioria dos pacientes em nosso país. Precisamos disponibilizar, cada vez mais e com menos burocracia, a toxina importada nos centros de referência que a aplicam. Precisamos exigir que se intensifique o apoio à pesquisas que estão sendo feitas no Instituto Butantã, de São Paulo, para produção de toxina em nosso próprio país, o que permitiria um atendimento generalizado, a custos menores para o poder público.

Precisamos solicitar aos pesquisadores da área que investiguem terapias complementares que auxiliem o distônico em seu trabalho de relaxamento muscular, não necessariamente através da ingestão de medicamentos: uma parceria entre neurologistas e fisiatras/ortopedistas seria bem vinda, assim como intensificar pesquisas nos núcleos hoje dedicados à difusão da medicina chinesa visando identificar como a técnica poderia auxiliar os distônicos. Finalmente, por pior que estejamos, qualquer salto de qualidade só será obtido através de nossa organização. Não adianta ficar olhando somente para o próprio umbigo. O próximo milênio será a época do cérebro, da neurologia; nossa mente é formada por bilhões de neurônios e alguns dos nossos estão funcionando mal. Precisamos contribuir para o avanço do conhecimento nessa área, com nossa experiência prática, que em muito pode ajudar os pesquisadores a avançarem nas suas descobertas e, quem sabe, até a acharem uma cura definitiva para a distonia.


Ros Mari Zenha é Pesquisadora do Instituto de Pesquisa Tecnológica de São Paulo (IPT).
É colaboradora e conselheira editorial da ABPD.


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© Associação Brasileira dos Portadores de Distorias, 2001