Nair Souza Ferraz

Prezada Elenita,


Finalmente, depois de um longo período de encontros e desencontros, resolvi escrever sobre minha experiência a qual classifico de "uma vida de desacertos", que gostaria que fosse publicada no Boletim InformAção.

Aproveito a oportunidade, e parabenizo toda a equipe, pelo trabalho desenvolvido e, em especial, a sua dedicação na busca de soluções palpáveis, para que a distonia seja divulgada com precisão visando sempre a melhoria da qualidade de vida de todos.

Nair Souza Ferraz

 

Uma Vida de Desacertos

Meu nome é Nair Souza Ferraz, tenho 85 anos e sou portadora de distonia desde 1978. Há aproximadamente vinte e três anos atrás iniciei meu "calvário" em busca de uma definição para o transtorno e inconforto que tomaram conta de mim.
Morei vinte anos em São Paulo e durante quinze anos trabalhei no Tribunal de Justiça na Seção de Datilografia de Acórdãos, entre vinte e oito funcionários dos quais somente cinco não fumavam. Trabalho de grande responsabilidade, além de cansativo, tudo era feito em duas cópias, exigia-se estética por tratar-se de sentença dada pelo Juiz Desembargador (Relator).
Após alguns anos de trabalho e conseqüente convivência com colegas fumantes, foi aparecendo uma tosse rebelde, os médicos classificaram-me como "tosse de fumante". E, no entanto nunca havia fumado (pelo menos ativamente).
Alguns anos antes de aposentar, minha cabeça começou a virar para o lado esquerdo e como o movimento era lento e nem causava incômodos, não dava muita importância ao fato. Pouco tempo depois, apareceu a torsão e isso começou a prejudicar o trabalho. Angustiada, procurei um neurologista e o mesmo não hesitou em classificar como problema neurológico e durante dois anos só receitou tranqüilizantes.
Porém, a medida em que o problema aumentava, os efeitos colaterais dos medicamentos só faziam mal, a angústia e ansiedade na mesma proporção.
Após seis anos de tratamento com grandes neurologistas, todos categóricos e unânimes em afirmar que o problema era do "sistema nervoso", cheguei até a ficar "dopada"; não andava, meu estado era lastimável. Com isso, através do Departamento Médico de São Paulo, fui aposentada. Mudei-me para a cidade de Piracicaba-SP, onde já residia minha família. Procurei um neurologista da cidade. Segundo ele, não existia outro remédio para o caso. Eu era bem equilibrada emocionalmente, mas com o problema do pescoço que não só incomodava, também havia a dor causada pela torsão que me deixava nervosa.
Procurei um ortopedista pensando que fosse problema cervical, mas os exames não apontaram nenhum problema na coluna e fui encaminhada ao fisiatra que após o exame de eletromiografia concluiu o seguinte: "não foram detectados nestes estudos sinais de anormalidades de características neuropáticas que pudessem indicar evidências de envolvimento de nervos periféricos, processos reticulopáticos, ou de anormalidades medulares. Os achados encontrados são compatíveis com o diagnóstico de uma síndrome distônica do músculo esternocleidomastoideo, com um torcicolo espasmódico do pescoço para a esquerda"; e, devolveu-me ao ortopedista, que por sua vez encaminhou-me a um grande neurocirurgião que de imediato disse que somente uma cirurgia no pescoço resolveria. É claro que eu protelei e busquei a opinião de outros médicos que aconselharam-me a não fazer. Porém, continuei a tomar tranqüilizantes durante sete anos.
Eu sempre dizia aos médicos que o torcicolo me deixava nervosa e angustiada e aí fui encaminhada para uma junta médica que ficaram confusos com meu caso e não sabiam mais o que receitar.
Felizmente Deus me salvou, quando em 1991, os médicos americanos faziam a descoberta da Toxina Botulínica e mandou para as Escolas de Medicina gratuitamente uma remessa da mesma para experiência e ser divulgada no Brasil. Fui encaminhada para o hospital São Paulo pelo Dr. Vítor neurologista da Escola de Medicina de Rio Preto, pois lá também existia a toxina. Como já havia terminado o lote de toxinas gratuitas, fui novamente encaminhada para o Hospital São Paulo.
Após avaliação médica ficou comprovado que o problema era Distonia, propriamente Torcicolo Espasmódico. Pela primeira vez tomei dois frascos da Toxina Botulínica (Botox).
A melhora foi bastante sensível; imediatamente parei de tomar os psicotrópicos. Após três meses voltei a tomar outra dose, mas infelizmente recebi a triste notícia que havia terminada a remessa enviada pelos Estados Unidos e, que eu deveria comprá-la.
No entanto, o tratamento teve que ser interrompido pois o custo da medicação era muito alto. Segundo o médico do Hospital São Paulo, o Governo Federal não mandava regularmente e o Hospital não podia comprar.
Nessa ocasião, recebi da Associação Brasileira dos Portadores de Distonias, propriamente da Sra. Presidente, uma correspondência indicando o Hospital das Clínicas. Fui para lá e cadastrei-me. Mesmo assim, o governo não mantinha regularidade no fornecimento do Botox. A explicação dada era que o Botox® não entrava na relação de medicamentos de alto custo.
Vivi na pele a dificuldade e por residir no interior, isto é, longe dos Hospitais Escola, quando a medicação chegava mal dava para as pessoas que residiam próximo. Além conviver com a Distonia, o desconhecimento dos profissionais, a falta do medicamento, a demora no atendimento dos Hospitais Escola e o descaso do governo em investir nas pesquisas desse tipo.
Hoje ainda convivo com a dificuldade de locomoção para tomar a medicação, pois a cada três ou quatro meses vou ao Hospital São Paulo para tomá-la; houveram melhoras físicas e até psicológicas, porém ainda paliativas; sonho e estou trabalhando para amenizar a dificuldade de acesso a medicação.

 

Nair Souza Ferraz é aposentada pelo Serviço Público e reside em Piracicaba - SP


O conteúdo deste material pode ser reproduzido desde que citada a fonte.
© Associação Brasileira dos Portadores de Distorias, 2001